Coluna 04 - O "Mata-Sete"
Publicada dia 31 de Agosto de 2003

O "Mata-Sete"

Era uma vez um caminhão gemendo na subida, lotado de sacos, restos de feira e gente.

O velho Chevrolet chorava na rampa, embora a viagem fosse de regresso. Tranquilo sem obrigação de cumprir horário, o motorista, pé firme no acelerador, "pisava" o mínimo necessário. Pra que forçar? Dalí a instantes o velho caminhão transporia o lombo da subida e desceria aliviado, na "banguela", até o centro da cidade. Trágico engano...

O condutor do veículo, crente de que controlaria nos freios a descida do pesado transporte, toma o maior susto. Que freio que nada! Pouco antes da serraria de Adauto, Brandina pressente o desastre. Incapaz de se manter firme nos "neuvos", mergulha sozinha para fora da carroceria para arrebentar-se nas pedras da beira da estrada.

Os demais passageiros agarram-se às grades, cordas, sacos e orações. O veículo passa como uma bala em frente ao "Rodolfo", cujos alunos, felizmente encontram-se em suas salas de aula. O motorista usa a buzina para avisar a chegada do mensageiro da morte...

A partir do União, o caminhão deixa por inteiro de atender ao seu condutor. Sobe a calçada da praça, deixando fincadas no chão, as suas rodas traseiras. O restante segue arrastando o rabo ao solo, até alcançar os fundos da Prefeitura. Com o impacto, passageiros e carga são projetados para fora. O passageiro mais idoso é o primeiro a morrer, com a cabeça esmagada na parede do prédio. A gritaria é imensa. A multidão, atordoada, inicia o socorro às vitimas. O espetáculo é horripilante. Farinha e sangue forman uma lama avermelhada. Gritos e gemidos são ouvidos em meio a panelas e sacos de toda espécie. Alguém indifica Salvador, o do hotel, entreleçado a pernas e braços de corpos ensagüentados, sacos de feijão, marmitas e candeeiros de flandre.

O "Mata-Sete" deixa a calçada da Prefeitura, o triste saldo da tragédia: homens mulheres e crianças mortos ou feridos, sem falar em Brandina que, no tudo ou nada, ficou de cara arrebentada, na ladeira da granja de Ilo.

- Era pinotar ou me lascar... esse eu devo ao meu Padim Padre Ciço!

O socorro foi imediato. A tragédia aconteceu numa hora de pique da Praça. Dr. Lívio e Dr. Osmário, dois médicos da Cidade, por exemplo, conversavam enquanto engraxavam os sapatos no momento da colisão. A graxa ficaria para depois, pra outro dia.

A ordem era remover os sacos a procura de mais vítimas. São Bento jamais vira cena tão desagradável, desde o incêndio na casa do fogueteiro na década de trinta. Dr. Lívio examina os feridos e ordena a remoção dos cadáveres para outro local. Um homen muito ferido é confundido com um morto e reclama:

- Êi, rapaz, pra donde tás me levando?... eu tô vivo!

- Tás conversando.. tás morto, home! - diz o condutor -, qués saber mais que o Dr. Lívio?

Dias após o enterro dos infelizes falecidos, adultos e crianças engessados ou enfaixados, começariam a aparecer nas ruas. Salvador coitado, andou uns dias meio leso, mas deu a volta por cima, graças ao carinho e o café famoso de sua imensa Tiodora...


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